Da epifania dos Reis Magos ao Sesquicentenário do Arruado
Vou lhes fazer uma confissão. Se há uma coisa que sinto falta dos meus tempos de catolicismo (será que um dia fui mesmo um católico? Talvez não praticante, né?), a falta que sinto é das festas litúrgicas. Não de todas. Mas uma me chamava a atenção: a Epifania do Senhor.
Conhecem?
Então não lembram, os meus contemporâneos, do Tim Maia, nos idos de 1970, cantando a festa dos Santos Reis?
Pois é. A festa dos Santos Reis é chamada pelos católicos praticantes de Epifania do Senhor. A Igreja Ocidental celebra o episódio daquela misteriosa visita dos Magos do Oriente, como a primeira manifestação (epifania) do Cristo aos pagãos. Só os católicos praticantes e, por isso, verdadeiros, conhecem essa festa por esse nome.
Não vejo momento mais numinoso do que este nas Escrituras. Talvez, só seja menor do que a aparição do Arcanjo à Virgem Santíssima. Momento numinoso e arquetípico. Mas essas palavras de Carl Gustav Jung não devem soar bem aos católicos. Só aos não praticantes, que nem eu.
Com certeza eram católicos e dos bons, os pais da menina que nasceu em meados de 1870, nesse Engenho do Meio da Várzea, e, creio que, como eu, gostavam dos Santos Reis. Talvez por isso, (e tudo aqui são conjecturas de um cronista diletante) lhe deram o nome de Epiphânia dos Reis. É dela a certidão de casamento, que me deixou o finado Maurício Peixoto, seu bisneto, antes de ir ao encontro de seus ancestrais.
Dona Epiphânia, como seu Pedro das Macaxeiras, outro morador famoso desse engenho, festejava os santos que lhes deram os nomes. Seu Pedrinho fazia a maior sambada de coco de toda a Várzea e região, para São Pedro, seu santo padroeiro. E dona Epiphânia dos Reis, não deixava por menos: um lindo pastoril no Natal e a queima da Lapinha, por ocasião da Festa dos Santos Reis.
E que festa, a dos Reis Magos, viu!
Guirlandas, bandeirolas, músicos para acompanhar as cantigas das pastorinhas, ao vivo. Tudo muito bem arrumado, com a ajuda da família e dos vizinhos. Nesse tempo ainda havia o fervor católico e a alegria de celebrar, segundo os costumes antigos, a epifania do Senhor aos gentios, naquela noite memorável do encontro do Menino-Deus com os magos pagãos.
Faz poucos dias, que o pessoal do Turismo me perguntou se o Engenho Velho tinha alguma data especial, algum evento, efeméride, e tal. Eu disse que não. Só havia a data da fundação do MRP-Arruado, Movimento de Resistência Popular do Arruado do Engenho Velho da Várzea. Seria no dia 15 de Maio.
No entanto, comecei a puxar da memória uma data que fosse importante para essa comunidade. E logo me veio o 6 de Janeiro. O Dia dos Santos Reis! Era a festa da nossa nativa mais longeva. A pioneira desse engenho velho, que deixou esse legado festeiro que se vê em toda a família Souza, que celebra a vida todo fim de semana, com muita música e muita alegria. E com o famoso licor de jenipapo de Dona Bete que sempre diz: aprendi a fazer licor com minha mãe, que aprendeu com minha avó, Epiphânia.
Os netos fazem a batida de jenipapo, que, diferentemente do licor, não precisa curtir muito. Basta uma noite, em que se deixam num pote, as fatias de jenipapo com açúcar e cachaça e, no outro dia, o cristão que ingerir sem cuidados, sai tropeçando nas pernas. Eu bem sei o que é isso, pois, certo dia, exagerei nas doses e fui dormir mais cedo.
E foi assim que me veio o estalo do ano do Sesquicentenário do Engenho Velho. Fui ver a certidão de casamento de Seu Luiz de França de Souza e dona Epiphânia dos Reis, e fiz umas contas pra cá, contas pra lá. Se eles casaram em 1890, e ela era nativa, ou seja, nascida e criada no Engenho Velho… Então ela casou com a idade mínima de 15 anos e a máxima de 20. Então, senhoras e senhores, eu não poderia deixar de imaginar que a menina do Engenho, a nossa católica festeira e feliz, nasceu por volta de 1870.
Aí está, meus 13 leitores, prego batido e ponta virada. Ela, se viva fosse, faria 150 anos, em 2020. Andei sondando a família, via zap, e depois vou perguntar aos seus bisnetos, a data exata de seu nascimento. Mas, são 150 anos desse Engenho Velho, até porque os pais dela já viviam nessas terras, o que fazia o saudoso Maurício Peixoto me dizer que essa geração remonta a 1800.
Portanto, no Ano da Graça de Nosso Senhor Jesus Cristo de Dois Mil e Vinte, por essa minha humilde narrativa, será comemorado o Sesquicentenário do Arruado do Engenho Velho da Várzea, ou seja, os 150 anos dos Souza, sobrenome do bisavô, e dos Gomes, sobrenome de dona Epiphânia dos Reis, as famílias pioneiras dessa região do atual campus Recife da UFPE..
Narrativa oral embasada e democraticamente imposta a todos e todas, já podemos festejar, pois que já estamos em 2020, e a festa vai ser o ano todo!
Viva os 150 anos do Arruado do Engenho Velho!!!
Viva Deus, que pequeno sou eu!!!